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Após 40 anos, Manda-Chuva se
encontra com seu dublador e amigo, Lima
Duarte!
Veja como foi!

Manda-Chuva
e Lima Duarte se encontram em 01/02/2001
Olá
querido Lima, quanto tempo heim amigão? Agora me diga! Como era
o processo de dublagem naquele nosso velho tempo? Há 40 anos atrás.
Era mais feeling ou técnica?
Bem velho amigo, era um misto, mas era mais feeling.
A técnica, aliás, você sabe muito bem, trabalhava
contra nós. Sofríamos muito com a técnica. As dublagens
antigas, até mesmo as suas Manda-Chuva, não eram perfeitas
no sincronismo. Elas eram muito mais de interpretação mesmo.
Nós interpretávamos melhor os personagens, esperando assim
compensar as falhas técnicas.
Eram retirados trechos dos desenhos, com mais ou menos 1 minuto cada.
Depois eram remontados já dublados. Eram chamados anéis
de gravação. Minha cabeça quase explodia com o som
das pancadas que serviam para sinalizar que estava sendo gravado o som.
Eu lia o papel, com uma lâmpada muito precária, e ao mesmo
tempo tentava sincronizar minha voz com o movimento da boca do personagem.
Eu ficava muito atento, pois o desenho não é um ser humano.
É uma carinha com dois olhos e um risco chamado boca. Quando este
risco ficava redondo, tinha que sair um som. Significava que ele estava
falando.
É o meu martírio até hoje, quando você, Manda-Chuva,
subia no caixote naquele beco, para fazer um discurso para seus amigos.
Na época, o meu diretor de dublagem era o Older Cazarré,
"um amor de pessoa". Quando ele falava que tinha alguma coisa
fora aqui, que é aquele negócio ali pelo meio, um "tiquinho
ali", faltou um pouco de intensidade, outra vez, ok? Era tudo outra vez.
Isso era o dia inteiro até acertar. Uma coisa medieval! E assim
tudo era feito. O que hoje é feito tecnologicamente, eletronicamente,
maravilha, sem nenhum problema, eu é que tinha que fazer.
Por
que temos a impressão de que as dublagens nos anos 60 ficavam muito
mais realistas do que as atuais?
Essa
impressão advem do fato que as dublagens eram mais intensas, mais
bem interpretadas.
Hoje o dublador trabalha muito e ganha por anel. Quanto mais anel ele
dublar mas ele ganha. Então ele quer ir rapidinho.
Naquele tempo a gente ganhava também por anel mas tinha de compensar
uma deficiência eventual de sincronismo com uma certa intensidade.
A gente gostava dos personagens. Eu gostava de ser você, Manda-Chuva.
Eu adorava ser o Dum-Dum. Eu pensava, sei lá, numa psicologia para
o personagem. Eles eram mais humanos eles eram mais intensos, eles eram
mais verdadeiros. Eu acho que advem disso.
E
alguns seriados da época, no final dos créditos, apareciam
os nomes dos dubladores. Você acha que esta prática deveria
continuar nos dias de hoje?
Isso
aí invade um terreno crepuscular, com certeza crepuscular no Brasil,
que é o terreno do direito autoral. Nesse Brasil é um caos.
Mas se a geriatria, se a prostituição, se a mortalidade
infantil, se o analfabetismo, tudo é um caos no Brasil, não
é o direito autoral que ia ser perfeito.
Na Suécia, "estamos falando da Suécia", quando
você edita um livro, imediatamente você começa a receber
do governo 5 salários mínimos, porque o seu livro estará
nas bibliotecas e se uma pessoa lê seu livro na biblioteca, não
compra nas lojas. Isso é direito autoral. Uma maravilha! Nós
estamos longe disso aqui no Brasil.
Eu dublei você amiguinho Manda-Chuva, há quase
40 anos e nunca vi R$ 1,00 desses direitos. Nunca me pagaram nada. Nem
do Dum-Dum, nem do Robert Taylor, O detetive, e de muitos
outros que dublei. Nada mesmo. Nem sequer o nome foi publicado. Se tivessem
um pouco de decência no direito autoral, tinha de dizer o nome do
dublador e de vários colegas meus que não fizeram uma carreira
como a minha, se me permite a modéstia, brilhante de ator, que
não preciso mais disso. Se não fizeram essa carreira permanecem
obscuros, nos escuros, enfumaçados. Ninguém fala neles e
são muito mau pagos.
Além
de mim, Manda-Chuva, quais os outros personagens que já dublou?
O
jacaré Wally Gator, o amigo da tartaruga Touché
chamado Dum-Dum, Hardy o companheiro do leão
Lippy, o gato Bacana de sua turma, Manda-Chuva, e o detetive
Robert Taylor. Gostaria de fazer uma homenagem ao companheiro e grande
dublador chamado Gastão Rener, que dublou entre vários
outros personagens, o Batatinha e o Guarda Belo.
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Wally
Gator
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Hardy
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Dum
Dum
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O
que é mais difícil dublar, desenho animado ou atores de
verdade?
Sem dúvida nenhuma os desenhos. A razão é que os
bonecos não respiram e as frases são colocadas sem intervalos
entre elas, não permitindo fôlego para o dublador.
Você
aceitaria voltar a dublar?
Uma
série não mas talvez uma filme como o Rei Leão.
Por causa do tempo que disponho. Minha vida caminhou para outro
lado. Hoje sou apenas um apreciador das dublagens.
Quando eu era mais jovem eu gostava muito de dublar o Peter Lorre,
que fez o Enio do filme M, O Vampiro de Dusseldorf, dirigido
por Fritz Lang.
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Peter
Lorre
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Qual
ator você gostaria de dublar?
Marlon
Brando
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Marlon
Brando
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De
onde veio a inspiração para criar a minha voz?
Eu
guardava bem a primeira impressão que tinha dele, pois esta seria
a impressão que o público teria também, já
que somos seres humanos, eu e o público, nós iremos viver
a mesma emoção. Então eu pegava aquela emoção
que senti, me lembrava bem dela e colocava no desenho, para convidar o
espectador a sentir a emoção que senti.
Como
você me descreve, Lima?
Você é um malandro, um cara muito esperto, muito simpático.
Há uma grande afetividade negada entre você e o Guarda
Belo. O guarda representa a autoridade e você
representa mais ou menos a moderna transgresssão. Você
é um transgressor, mas nunca um bandido. É um malandro que
dá um golpe de mão na lei, tenta dar, mas desconhece a lei.
Você tenta respeitá-la nos limites das suas necessidades.
Primeiro, você
é carioca. Essa coisa é de carioca. Malandro, "assim esperto",
"sabe", "pô"," numa boa"," tudo bem"," mas que é isso","
legal". Enganando aqueles outros gatos onde um é nordestino, outro
é galã e o ingênuo Batatinha.
Eu,
Manda-Chuva, teria vez nos dias de hoje?
Acho difícil, pois hoje a violência, a brutalidade campeiam
em tudo e não seria diferente nos desenhos. Tudo hoje em dia é
arrancar o olho, cortar a cabeça. Isto para uma criança
que não separa muito a fantasia da realidade, mistura as duas coisas.
Quando você machuca alguém, você machuca ela também
pois ela acredita que aquilo é uma vida que está sendo ferida.
Essa violência que é latente nos seres humanos está
muito presente nos desenhos. Muito, muito. Então não sei
se um gato que vence por que é esperto, por que é malandro,
por que é rápido no raciocínio e inteligente teria
vez. Acho que ele seria um chato.
The
Spirit
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A
garotada de hoje gosta mesmo é de "porrada". É uma questão
de reeducação. Mas se você reeducar as crianças
e falar para elas sobre um investigador, o Sherlock Holmes,
o Spirit, o Nick Holmes, detetives que são muito
mais inteligentes, mais nobres, mais cavalheirescos do que esses que
andam por aí dando socos, murros, arrebentando todo mundo,
bandidos mórbidos, tarados querendo dizimar populações
inteiras. Se você colocasse para as crianças a beleza
que há em se analisar um crime, detalhe por detalhe, e chegar-se
ao criminoso apenas com uma caneta. |
O
detetive raciocina, ele pensa, ele deduz, tem um senso dedutivo primoroso.
Eu acho que essas coisas perderam interesse lamentavelmente. Toda essa
beleza se perdeu e é uma pena mesmo.
Qual
a sua opinião sobre os dubladores brasileiros?
Eles
são ótimos, coitados. Fazem milagres. Acho que tecnicamente
são muito bons.
Quanto à interpretação, não sei se eles têm
tempo, pois a produção em massa invalida de certa forma
a criação.
Qual
seu conselho para as pessoas que pretendem entrar para o mundo da dublagem?
Procure
seu modelo. Procure alguém para encaixar seu som. Procure primeiro
saber qual é o seu som, a sua voz. Que som você produz. O
seu som me fala de que. Eu acredito muito num autor , Gaiarça,
que tem um livro muito interessante chamado A Máscara Muscular
do Caráter, onde diz que você não existe. O que
existe é o seu caráter e você é uma máscara
muscular do seu caráter. Eu gosto e isto interessa muito aos atores.
Eu
tenho que ter a psicologia do personagem, amarrá-la bem e dar a
essa psicologia um som, um braço, uma mão, um olhar, um
jeito.

O Príncipe
Valente
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Essa
que é a grande interpretação. Eu tenho uma
voz bem plástica, bem variável, por que tive que mudá-la
muito para ganhar meu pão, fazendo desenhos animados ou sendo
ator como Sinhozinho Malta ou o Zeca Diabo, que era
matador mas falava como criança. Isso é um nozinho
que o espectador desata e o fio sai todo e então ele raciocina
comigo e pergunta: - Que diabo de matador é esse com voz
de criança? Será que ele é um matador ou vítima
de uma estrutura social viciada?
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Este é o meu conselho: Pense, instrua-se, leia, aprenda, exercite
a sua sensibilidade e redescubra qual é o seu som. Que som você
quer ter. Que som tem aquelas outras pessoas. Como é que você
vai colocar a maneira de emitir, o timbre mesmo. É por aí.
Você
assiste desenhos hoje em dia? Seus netos assistem?
Meus netos assistem e eu tenho muitos netos. Ficam o dia inteiro assistindo
e de vez em quando assisto com eles. Mas são desenhos muito monótonos.
Apenas um me chama mais a atenção, que se não me
engano é o Dr. Katz. Os Simpsons também são
engraçados, são divertidos.
Eu tenho coleções de desenhos em papel (tiras) do Spirit
do Will Eisner. Eu amava suas tiras.
Numa delas o primeiro quadro é totalmente escuro, sem luz nenhuma.
No segundo uma porta pequeniniha se abre lá no fundo iluminando
uma pia, uma torneira e uma gota desenhada.
No terceiro quadro a porta se abre mais ainda, projeta mais luz e a gota
se desprende.
No quarto o sujeito puxa uma arma e a gota explode.
Tem som a tira dele. Som e luz.
Outros
como O Príncipe Valente, do Harold Foster e o Ferdinando
do Al
Capp.
Eu gosto de ver desenhos que têm um traço estranho,
diferente, uma busca em fazer uma coisa mais moderna. Esses que
são só tecnológicos, foguetes, quadrados, etc..
eu os odeio!
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Ferdinando
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O
que seu neto falou quando descobriu que você dublava o Manda-Chuva?
Era um domingo e ele estava vendo o seu desenho, Manda-Chuva quando passei
e perguntei:
- Está passando este desenho ainda? Ele olhou para mim e respondeu:
- Está!
Então eu disse: - Olha aí, o Manda-Chuva sou eu!
Ele olhou para mim e disse: - Hã, o que? - É isso mesmo,
o Manda-Chuva sou eu! Qual foi minha surpresa em ouvir: - Bahh vovô,
você nada, o Manda-Chuva é tão bacana!
Concluí que sou pior que o Manda-Chuva e concordo com ele, sou
mesmo!
Quanto
tempo era necessário para dublar um episódio?
Em média era o dia inteiro, principalmente quando você, Manda-Chuva,
subia naquele caixote e fazia seus discursos ou enganava o Guarda Belo.
Dependendo do episódio ficava um pouco para o dia seguinte. Já
o Wally Gator, Hardy e Dum-Dum, por serem mais simples
e curtos, eram necessárias de 2 a 4 horas.
Que
tal uma mensagem aos milhares de afccionados pelos desenhos da Hanna-Barbera,
àqueles que, de geração em geração,
continuam se divertindo com o carisma e o humor de tantos e eternos personagens?
Pense um pouco na alma, pense um pouco no espírito e na eternidade
do espírito humano. Só o vento soprando, soprando, soprando
sobre a argila, se compara ao espírito humano. Pense um pouco na
delicadeza, na nobreza dos sentimentos, você vai ver que pensando
bem assim, você vai exigir que os desenhos sejam assim também.
E que aquele nobre defensor da justiça, dos fracos e oprimidos,
que usa uma espada e sai cortando cabeças e pregando a ideologia
da violência é verdadeiramente o seu inimigo.
"Os
sons tem alma."
Lima Duarte
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Agradecimentos:
Paulo
Cesar Jordão Figueiredo - GloboSat
- RJ
Roosevelt Garcia - 5.6
Propaganda - SP
Fábio André Barcellos
- 7sides.com - RJ
Rodrigo Palhares - 7sides.com
- RJ
Leila Nascimento de Carvalho
- Hotel Everest - RJ
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